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Tabaco: 100 milhões da Fomento Paraná podem virar fumaça

  • Foto do escritor: Jorge Augusto Derviche Casagrande
    Jorge Augusto Derviche Casagrande
  • há 5 dias
  • 4 min de leitura

Lei do Atravessador do Tabaco: ALEP pisa fundo e abre a pista para o "lobby Pontarolo", que convoca massa de manobra em benefício próprio para estar na ALEP nesta terça (02/12/2025).


A Assembleia Legislativa do Paraná resolveu testar até onde vai o limite da paciência do contribuinte. O projeto apelidado de “Lei Pontarolo” – rebatizado pelos críticos como “Lei do Atravessador do Tabaco” – entrou em regime de turbo. Sai da Comissão de Constituição e Justiça direto para o Plenário, com dispensa de outras comissões, como se fosse matéria técnica, consensual e sem cheiro de conflito de interesses. Não é.


No centro do rolo está o vice-prefeito de Guamiranga, Igor Pontarolo (PSD). Ele não esconde a ligação com o tabaco: é produtor, empresário e se apresenta publicamente como intermediário na venda das folhas – exatamente o tipo de figura que essa lei tende a favorecer. Reportagem do site O Joio e o Trigo fez de Pontarolo o protagonista de um estudo de caso sobre a nova engrenagem da indústria do tabaco no Brasil: uma lavoura fora do padrão tradicional, família profundamente inserida no negócio e um político que transita, ao mesmo tempo, entre o balcão da prefeitura e o balcão da indústria.


O desenho do projeto que corre na ALEP não nasceu do nada. Em entrevistas e agendas públicas, deputados admitem que a proposta foi construída “a muitas mãos” com Pontarolo, a partir de reuniões na própria Assembleia e em eventos do setor. Textos oficiais da Casa registram o vice-prefeito na linha de frente de comitivas e audiências sobre a “classificação do tabaco no paiol”, ao lado de parlamentares que hoje fazem força máxima para aprovar a matéria.


Agora, a engenharia política vem com um ingrediente extra: pressão organizada de massa. Matérias e postagens em veículos regionais mostram o vice-prefeito convocando fumicultores de todo o Paraná para lotar as galerias da ALEP na terça-feira, 2 de dezembro, justamente no dia previsto para a votação da “Lei Pontarolo”. Ele pede que produtores se desloquem em caravanas até Curitiba para “defender o projeto”, numa espécie de demonstração de força feita sob medida para intimidar qualquer tentativa de frear a pauta.


Não se trata de uma agenda neutra. Em paralelo à ofensiva legislativa, Pontarolo circula com o plano de erguer uma fábrica de processamento de tabaco estimada em R$ 100 milhões, com financiamento da Fomento Paraná, banco público de desenvolvimento. Matérias locais relatam que a ideia do projeto de lei surgiu justamente de conversas entre parlamentares e o vice-prefeito, creditando a ele a “inspiração” da mudança na regra de classificação.  A equação é simples: quem ajuda a desenhar a lei, depois opera o mercado moldado por essa mesma lei.


O que, por sinal, não se trata, aliás, de uma "anedota" isolada em torno da Fomento Paraná. Enquanto Pontarolo tenta emplacar uma fábrica de R$ 100 milhões bancada com dinheiro público do banco de desenvolvimento, outra frente do mesmo condomínio político avança sobre a própria estrutura da instituição: como revelou o jornalista Pedro Ribeiro, o personagem apelidado de “Reizinho do lenço” articula para concentrar sob sua órbita mais seis cargos de assessoria na Fomento, ampliando o loteamento político de um órgão que deveria operar sob critérios técnicos e impessoais.


Dentro do governo estadual, porém, o alerta está ligado. Técnicos das áreas de Fazenda e Agricultura enxergam risco concreto de desorganização da cadeia produtiva, com troca de um sistema – imperfeito, mas conhecido – por um modelo com brechas para atravessadores e fragilização da fiscalização. A Lei Pontarolo, da forma como corre, abre espaço para que intermediários se coloquem no centro da relação entre produtor e indústria, com poder para arbitrar preço, escoamento e condições de venda, sem contrapartidas claras de transparência ou controle.


Produtores independentes, cooperativas e especialistas ouvidos reservadamente falam a mesma língua: a proposta não resolve o problema histórico da assimetria entre fumicultor e indústria. Apenas desloca o eixo de poder, criando um intermediário “oficializado em lei”, um intermediário que também pode ser tido como "oportunista" no presente caso. E, ao reduzir a previsibilidade das regras de compra e venda, acende a luz amarela para sonegação, mercado paralelo e até para o interesse de organizações criminosas em uma cadeia que movimenta bilhões.


Nada disso é novidade absoluta. Quem acompanha a política paranaense lembra que uma matéria com o mesmo espírito – e com os mesmos protagonistas – já foi arquivada no passado. O jogo agora é outro: bastidores da ALEP admitem um “Plano B” pouco republicano. Se a lei causar estragos demais, revoga-se depois. A mensagem implícita é: primeiro se legisla para atender o grupo articulador; os efeitos colaterais, o contribuinte paga.


Enquanto isso, a própria credibilidade da Assembleia vai sendo corroída episódio após episódio. Nesteb mês de novembro, o Blog do Johnny revelou que um deputado estadual – descrito como “de cabelo branco que usa tinta preta” – firmou acordo de não persecução penal com o Ministério Público após confessar crime, em troca de condições para escapar de uma ação penal completa.  É esse o ambiente político em que se pretende aprovar, a toque de caixa, uma lei feita sob medida para um ator claramente interessado no resultado.


O quadro geral é de alerta e descontrole. De um lado, um vice-prefeito-empresário que virou personagem de reportagem nacional crítica, agora transformado em “consultor informal” do Legislativo em tema que afeta diretamente seu próprio negócio. De outro, uma Casa de Leis disposta a passar por cima do rito normal, empurrando o texto da CCJ direto ao Plenário, num atalho reservado a temas verdadeiramente inadiáveis – o que não é o caso.


Se a “Lei do Atravessador do Tabaco” passar nessas condições, a ALEP terá dado um recado cristalino: legislação setorial no Paraná pode ser escrita sob demanda, ao gosto de quem tem acesso privilegiado ao microfone, às salas do Palácio e à máquina de mobilizar público organizado. Depois, se der errado, revoga-se – mas o custo institucional, econômico e social já estará na conta de toda a cadeia produtiva e, principalmente, do contribuinte que não foi chamado à mesa.


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