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O Metrô que Curitiba Enterrou

  • Foto do escritor: René Santos Neto
    René Santos Neto
  • 12 de jun.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 14 de jun.

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"A cidade é uma máquina de tempo — mas o tempo que escolhemos construir é sempre político."


Curitiba, 2025. A capital ecológica, a cidade-modelo, a vitrine da mobilidade inteligente — agora orgulhosamente investindo centenas de milhões para que seus ônibus andem... 7 km/h mais rápido. Isso mesmo: sete. Um número que faria inveja a uma bicicleta dobrável ou a um carrinho de pipoca em descida.


A manchete oficial, publicada com entusiasmo burocrático, traz ares de epopeia moderna: "Prefeitura de Curitiba alinha o início de 11 km de obras em três bairros". A descrição é detalhada, técnica, cheia de palavras que fazem qualquer edital suspirar — requalificação viária, acessibilidade, drenagem pluvial, iluminação inteligente. Tudo isso sob o generoso patrocínio do BID e com promessas de que os ônibus do Inter 2 e Interbairros II, que transportam 181 mil passageiros por dia, viverão sua pequena revolução.


Mas sejamos honestos: não é revolução, é reforma. Não é cidade inteligente, é gambiarra urbanística com tinta nova e promessas recicladas. O modelo BRT, que um dia foi vanguarda, hoje é gesso no tornozelo de um sistema manco. A solução para os próximos 50 anos não pode ser apenas melhorar o que já nasceu limitado. Como pensar Curitiba para 2050 se insistimos em soluções de 1992?


Enquanto cidades como Medellín, Santiago, Quito, Salvador e Fortaleza adotam modais sobre trilhos — com custos altos, sim, mas impactos duradouros — Curitiba opta por fazer o que sabe: remendar o asfalto e chamar de inovação. Não se discute metrô. Não se pensa monotrilho. Não se explora a integração entre modais que realmente poderia aproximar a cidade do ideal dos 15 minutos: onde moradia, saúde, trabalho e lazer coexistem num raio pedalável.


A Cidade de 15 Minutos não é um slogan para folder institucional — é uma mudança de mentalidade. É reconhecer que infraestrutura não é só concreto, é projeto de futuro. E nesse quesito, Curitiba tem sido exímia em planejar o presente.


Com US$ 133,4 milhões (R$ 700 milhões), ganha-se um asfalto com paisagismo. Mas com esse valor, poderia-se ter iniciado o primeiro trecho de um corredor metroviário leve, interligando polos reais de geração de deslocamento (Santa Cândida–Portão, Boqueirão–Centro Cívico), com ganho triplo em tempo, conforto e sustentabilidade. A matemática é simples: enquanto um ônibus leva 40 minutos, o metrô faria em 15. Mas parece que é mais fácil fazer uma nova ciclovia pintada de vermelho e chamá-la de “smart mobility”.


Não se trata de fetiche pelo trilho. Trata-se de planejar como gente grande. Aceitar que o que foi genial em 1974 não é mais suficiente em 2025. Questionar se Curitiba quer, de fato, ser uma cidade modelo — ou apenas parecer uma em imagens aéreas de drone.


O que torna essa escolha ainda mais reveladora é a falta de debate público. Onde estão os estudos comparativos entre modais? Onde está a escuta da população? Quantos projetos alternativos chegaram a ser discutidos com a sociedade civil, universidades, urbanistas e setores produtivos? A verdade é que o planejamento urbano em Curitiba se transformou em um ritual tecnocrático, blindado e cada vez menos sensível às mudanças climáticas, demográficas e econômicas.


O discurso da sustentabilidade se esfarela quando confrontado com as prioridades orçamentárias. O metrô, argumenta-se, seria caro demais. Mas e o custo do não fazer? E o tempo perdido dos trabalhadores? E a pegada de carbono das frotas? E a oportunidade perdida de reconfigurar a cidade com mais densidade, mais vida urbana, menos deslocamentos obrigatórios? É caro construir um metrô. Mais caro é enterrar nossa ambição.


Curitiba precisa parar de se encantar com o passado e começar a imaginar seu futuro. Uma cidade que quer ser inteligente precisa pensar em redes, em integração multimodal, em transporte sobre demanda, em descentralização digital de serviços, em redes cicloviárias conectadas, e, sim, em metrô. Seja subterrâneo, de superfície ou monotrilho elevado, o transporte sobre trilhos é o eixo estruturante de todas as cidades que deram o salto de mobilidade no século XXI. Curitiba ficou para trás.


Mas há mais a ser dito. Há um cansaço silencioso no olhar de quem passa mais de duas horas por dia em ônibus lotados e parados no trânsito. Há uma frustração crescente entre os jovens que voltam de intercâmbios ou de congressos e se perguntam por que aqui nada muda. Há uma invisibilização de bairros inteiros que seguem desconectados do centro urbano não por distância física, mas por negligência política.


O Inter 2 é um símbolo. Uma linha orbital, pensada para conectar bairros sem passar pelo centro, um conceito sofisticado para a época em que foi criado. Hoje, poderia ser uma artéria da nova Curitiba. Mas continua sendo operado por ônibus a diesel, com pontos de parada muitas vezes sem abrigo, sem integração tarifária real com o resto da cidade, e sem ambição de se tornar algo mais. A entrada de veículos elétricos para a frota é louvável, mas ainda longe da necessidade da redução de pegada de carbono que precisamos reduzir a médio e longo prazo.


Enquanto isso, o marketing urbano prospera. Ganhamos prêmios internacionais, temos rankings, somos cases. Mas qual é o custo de uma cidade que acredita demais nas próprias manchetes? Onde a inovação para na esquina da conveniência? Onde a ousadia é substituída por discursos neutros de manutenção técnica?


Curitiba precisa se reconectar com a ideia de futuro. Com a ideia de que planejamento urbano não é obra de quatro anos, mas de quatro décadas. Que pensar a cidade como organismo vivo é entender que ela precisa de intervenções estruturais, mesmo que caras, demoradas e politicamente arriscadas. E que a ausência dessas escolhas só reforça o ciclo da estagnação.


Se queremos de fato uma cidade de 15 minutos, precisamos mais do que calçadas largas e bancos com Wi-Fi. Precisamos mudar o eixo da discussão. Precisamos falar sobre densidade habitacional, sobre adensamento orientado ao transporte, sobre subutilização do solo urbano, sobre como reaproximar trabalho e moradia. E isso tudo começa com transporte. Com deslocamento rápido, seguro, limpo e eficiente. Com a coragem de abandonar o velho mantra de que o BRT nos basta.


Há cidades que erram tentando. Há cidades que erram insistindo. Curitiba parece preferir errar se repetindo.


O futuro da cidade não cabe apenas em corredores de ônibus. Cabe em trilhos, sim, mas também em decisões estratégicas, em debates sinceros, em rupturas corajosas com o modelo mental do "faz de conta" urbanístico. O metrô que Curitiba enterrou pode, um dia, ser desenterrado. Mas isso exigirá mais do que concreto e escavadeiras. Exigirá líderes que pensem como urbanistas, governem como estadistas e planejem como cidadãos.

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