O Dilema de Ratinho Jr. e a Sombra de Moro
- René Santos Neto
- há 55 minutos
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A política do Paraná vive um paradoxo de prosperidade que desafia a lógica convencional. O atual governador, Ratinho Junior (PSD), desfruta de uma aprovação soviética de 85% — a maior marca entre os últimos três gestores estaduais, superando com folga os ciclos de Beto Richa e Roberto Requião —, mas assiste, com uma impotência incomum para quem detém a caneta, à cristalização de um cenário sucessório que foge ao seu controle direto. A nova pesquisa Real Time Big Data, realizada no final de novembro, revela uma dicotomia cruel: o capital político acumulado no Palácio Iguaçu é vasto, administrativo e reconhecido, porém, até o momento, revela-se estéril na capacidade de transferência eleitoral, criando um vácuo de poder que hoje é ocupado majoritariamente pela grife "Lava Jato".
A tese deste editorial é clara e incômoda para a situação: a hegemonia administrativa de Ratinho Junior ainda não se converteu em hegemonia eleitoral para 2026. Enquanto o governador tenta, com movimentos discretos, emplacar nomes de sua estrita confiança e do "chão de fábrica" da política local — como Guto Silva ou Alexandre Curi —, o eleitor paranaense parece inclinado a buscar caminhos autônomos. De um lado, flerta com um "sucessor moral" na figura de Sérgio Moro, um outsider que já se tornou a face do conservadorismo local; do outro, considera um "gerente testado" na figura de Rafael Greca. Para Ratinho, que almeja o Planalto, perder o controle do próprio quintal para um aliado incômodo (Moro) ou para um quadro independente (Greca) pode ser o calcanhar de Aquiles de sua projeção nacional, sinalizando fraqueza justamente onde deveria demonstrar força absoluta.
O que os dados mostram
O levantamento da Real Time Big Data traz uma fotografia nítida do momento pré-eleitoral, ainda muito calcada no recall (memória) de nomes conhecidos, mas reveladora sobre as preferências estruturais do eleitorado.
Amostra e Método: A pesquisa ouviu 1.200 eleitores entre 25 e 26 de novembro de 2025, com margem de erro de ±3,0 p.p. e nível de confiança de 95%. A robustez da amostra permite recortes seguros sobre o humor do estado.
A Força Gravitacional de Moro: O senador Sérgio Moro (União) não apenas lidera, mas domina o cenário. Ele aparece à frente com folga em três dos quatro cenários estimulados, oscilando entre 37% e 42% das intenções de voto. Esses números indicam que sua base não é volátil; é um eleitorado fidelizado, imune aos desgastes de Brasília.
O Teto de Vidro da Esquerda: Requião Filho (PDT) consolida-se como o polo único de oposição, variando entre 20% e 23%. Contudo, sua performance esbarra na maior rejeição do pleito (40%). Isso sugere um teto intransponível: ele garante a ida ao segundo turno pela fragmentação da direita, mas carece de "voto de expansão" para vencer uma majoritária num estado conservador.
O Engarrafamento Governista: O PSD vive um drama de três atos:
Rafael Greca (PSD): Quando testado, é o único que demonstra musculatura própria, alcançando 22%. É o candidato do "já vi fazer".
Guto Silva (PSD): Apesar da exposição como homem-forte do governo, aparece estacionado no patamar de 13% a 14%.
Alexandre Curi (PSD): A figura mais poderosa dos bastidores da Assembleia Legislativa (ALEP) amarga 5% na estimulada. O dado comprova a velha máxima: poder de bastidor não se traduz automaticamente em voto popular.
Aprovação do Governo: Os impressionantes 85% de aprovação (soma de Ótimo/Bom/Regular que aprovam) e a percepção de 63% de que o Paraná está "melhor" que outros estados criam um cenário onde a oposição não tem discurso administrativo, apenas ideológico.
Movimento vs. Ruído
Embora não tenhamos a série histórica completa deste instituto específico para comparar curvas de longo prazo, a fotografia atual permite distinguir com clareza o que é solidez do que é espuma passageira.
A liderança de Moro não é ruído estatístico; é recall consolidado e resiliente. Ele herda o espólio integral do antipetismo e da pauta de segurança pública, temas que permanecem no topo da hierarquia de valores do eleitorado paranaense. Moro transformou-se em uma marca que independe de partido ou estrutura de governo.
Por outro lado, a estagnação de Guto Silva e Alexandre Curi sinaliza um problema estrutural: a "máquina" — prefeitos, deputados e convênios — ainda não ligou os motores da transferência de votos, ou, o que é mais grave, o eleitor recusa a "tutela" da escolha. O paranaense aceita a gestão Ratinho, mas rejeita a imposição de um sucessor burocrático. A diferença de quase 10 pontos percentuais entre Greca e Guto Silva (Cenário 3 vs. Cenário 1) é o dado mais relevante da pesquisa: mostra que o eleitor quer continuidade, sim, mas prefere uma marca conhecida e testada (Greca) a uma aposta de laboratório político (Guto/Curi).
Implicações Estratégicas
1. O Fator Moro e a Presidência: Um Jogo de Soma Zero? Para Ratinho Junior, apoiar Moro ao governo seria a saída tática mais fácil para manter a aliança de direita unida e evitar a vitória da esquerda. Estrategicamente, porém, é um movimento perigoso. Um Moro governador teria luz própria, orçamento bilionário e uma agenda autônoma de segurança e combate à corrupção, possivelmente rivalizando com Ratinho no cenário nacional de 2030. Se Ratinho quer ser Presidente, ele precisa de um governador no Paraná que seja um "soldado leal" e garantidor de palanque (perfil de Guto ou Curi), não um general com ambições próprias e histórico de insubordinação a chefes políticos (perfil de Moro).
2. A "Escolha de Sofia" do PSD O PSD paranaense tem um "problema de luxo" que pode virar pesadelo. Rafael Greca é o candidato natural pela viabilidade eleitoral e capacidade de gestão, mas sua independência política e personalidade forte assustam o núcleo duro do Palácio Iguaçu, que teme perder o comando da máquina. Já Guto Silva e Alexandre Curi são os preferidos do sistema, os "donos do partido", mas dependem de uma injeção massiva de capital político e financeiro para se tornarem competitivos contra a marca Moro. O risco real é dividir a base governista: lançar um candidato da máquina fraco, ver Moro crescer e entregar o governo ao ex-juiz no primeiro turno, ou forçar um segundo turno sangrento que deixe feridas abertas para 2026.
3. O Senado como prêmio de consolação e trincheira Os dados mostram Ratinho Jr. com 31% para o Senado (voto 1), uma eleição praticamente protocolar. Isso lhe dá segurança total para renunciar ao governo em abril de 2026 sem medo do desemprego político. A verdadeira batalha campal será pela segunda vaga. Com Cristina Graeml (14%), Deltan Dallagnol (13%) e Filipe Barros (13%) embolados, fica evidente que a onda conservadora/lavajatista dominará a chapa legislativa. Para a esquerda (Gleisi com 10%, Zeca Dirceu com 8%), o Senado no Paraná parece um sonho distante, restando a disputa pela Câmara Federal.
Impacto nas Políticas Públicas
A liderança de Moro e a altíssima aprovação de Ratinho (com 78% do eleitorado desejando continuidade total ou continuidade com melhorias) indicam um eleitorado avesso a rupturas e focado no binômio Gestão e Ordem.
Segurança Pública como Carro-Chefe: Com Moro forte na disputa, a pauta de segurança pública e combate ao crime organizado dominará o debate. Candidatos governistas não poderão se esconder atrás de números frios; precisarão mostrar "pulso firme" e resultados práticos para não serem engolidos pela narrativa do ex-juiz.
Eficiência da Máquina e Infraestrutura: A demanda majoritária por "manter, mas melhorar" (40%) sugere que o próximo governador não terá licença para reformas radicais ou aventuras ideológicas. Ele será cobrado por delivery na ponta: filas na saúde, conclusão de obras de infraestrutura e o delicado tema do pedágio. São áreas onde a gestão Ratinho é bem avaliada, mas que ainda enfrentam gargalos pontuais que podem ser explorados.
Risco de Paralisia Legislativa: Se a disputa interna entre Curi (que comanda a Assembleia), Guto (que articula o governo) e Greca se estender demasiadamente, o governo corre o risco real de passar o ano de 2026 focado em brigas intestinas e disputas de espaço, paralisando votações cruciais e pautas importantes na Assembleia Legislativa. O "governo" pode parar para assistir à "eleição".
Riscos de Interpretação
Como veículo pautado pela evidência e cético quanto a leituras apressadas, precisamos apontar as limitações desta fotografia:
Viés de Recall: Faltando um ano para o pleito, pesquisas estimuladas favorecem desproporcionalmente nomes midiáticos e celebridades políticas (Moro, Greca, Requião). Candidatos de "máquina" e estrutura (Guto, Curi) tendem a estar subvalorizados e historicamente crescem apenas quando a campanha de TV/Rádio e a mobilização de prefeitos começam efetivamente.
A Volatilidade da Espontânea: Com 90% dos eleitores indecisos na pesquisa espontânea, a eleição, na prática, sequer começou na cabeça do eleitor. O cenário está aberto e a volatilidade é imensa. Um fato novo ou um escândalo podem alterar drasticamente essas posições.
Amostragem Regional: Pesquisas estaduais agregadas podem esconder regionalismos decisivos. Rafael Greca é fortíssimo em Curitiba e Região Metropolitana, mas sua penetração no interior profundo (base do agronegócio e reduto de Alexandre Curi) é uma incógnita que a atual pesquisa não detalha. A eleição no Paraná muitas vezes é decidida nessa dicotomia Capital vs. Interior.
O que observar agora
Na próxima rodada de pesquisas, o indicador-farol para o analista atento não é o número de Moro — que deve se manter estável —, mas o desempenho de Guto Silva e Alexandre Curi. Se eles não oscilarem positivamente fora da margem de erro nos próximos 3 meses, demonstrando capacidade de conversão de apoio, a pressão interna no PSD para que Ratinho aceite Greca (o mal menor) ou costure um acordo de rendição com Moro (o mal maior) se tornará insustentável.
Conclusão
O Paraná de 2026 desenha-se como um estado profundamente conservador, satisfeito com a gestão técnica atual, mas órfão de um herdeiro político óbvio. Ratinho Junior construiu uma máquina administrativa formidável e entregou resultados que a população reconhece, mas cometeu o pecado capital da política tradicional: esqueceu-se de construir um sucessor à sua imagem e semelhança que fosse, também, popular e viável nas urnas. Se não resolver essa complexa equação até abril, corre o risco de ver seu legado ser gerido por quem ele não controla, comprometendo seu próprio futuro nacional.
Referências
Real Time Big Data. Pesquisa de Opinião Pública – Paraná. Campo: 25–26/11/2025; Amostra: 1.200 entrevistas; Margem de erro: ±3,0 p.p. (IC=95%). (Registro TSE não informado no documento anexado).
Tribunal Superior Eleitoral. Repositório de Dados Eleitorais
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