Eis que a História sempre se repete como farsa, como diria Karl Marx. Em tempos de ideologias radicais, cabe-nos fazer o resgate histórico da versão tupiniquim do nazismo/fascismo que tivemos na década de 30. Plínio Salgado e sua tropa Anauê, com o Sigma (letra grega) pendurada nas camisas verdes e sua Ação Integralista Brasileira (AIB) foram a base popular que sustentou o regime Vargas na fase mais brutal da sua ditadura, notadamente no período pré-Constituição Polaca. Foram a ponta de lança do regime varguista para combater principalmente os movimentos comunistas de Luiz Carlos Prestes, notadamente na Intentona Comunista de 1935.
Apesar da lealdade ao ditador de ocasião (e de acalentar sucedê-lo), Salgado acabou traído pelo désposta e foi obrigado a se exilar em Portugal. Após o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, Plínio Salgado retorna ao Brasil, onde funda o PRP (Partido da Representação Popular), partido este que, se não obteve sucesso eleitoral, foi extremamente bem-sucedido em deixar sementes de formação política, notadamente no Paraná e em São Paulo. Plínio Salgado foi tão bem-sucedido em seu intento doutrinário que conseguiu se eleger deputado federal em 1958 pelo Paraná, mesmo não tendo residência no Estado (para efeito de curiosidade, também um certo Jânio Quadros foi eleito deputado federal no mesmo pleito no mesmo estado). Destaco aqui dois nomes que foram formados politicamente pela escola do PRP e que depois prosperaram politicamente no Paraná: Professor Amarílio e seu genro, Nivaldo Krueger.
Ambos (Amarílio e Krueger) tiveram o seu campo de desempenho político em Guarapuava, cidade do interior do estado paranaense. Após a Revolução de 1964, Krueger acabou se abrigando no MDB, onde passou a praticar uma política mais progressista e contrária ao pensamento medieval da política guarapuavana de outrora. Mas manteve uma forte presença no municipalismo, que era uma das grandes bandeiras do novo partido de Plínio Salgado, no qual Krueger foi um disciplinado participante dos cursos de formação política. Krueger foi um dos grandes expoentes do municipalismo, tendo ajudado a fundar a Associação dos Municípios do Paraná (AMP), e sendo prefeito três vezes de Guarapuava, conseguiu conjugar uma política de atenção à população mais necessitada com um forte protagonismo municipal, algo que não era visto em governos anteriores, dada à forte centralização política que adveio do pós-varguismo.
No período da ditatura militar, Krueger, junto com Alvaro Dias, Maurício Fruet, Hélio Duque e outros expoentes do MDB “velho de guerra”, foram os baluartes do partido de oposição no combate ao regime de exceção. Formaram um grupo de deputados estaduais aguerridos, que praticaram uma oposição de qualidade e que pertubou sobremaneira o sossego dos governadores biônicos da década de 1970. No crepúsculo do Regime Fardado, esse grupo de deputados pode protagonizar e ocupar cargos importantes da República, principalmente após a onda de 1986, em que o PMDB varreu todos os Estados. Nesse ponto é importante destacar que surge um jovem chamado Roberto Requião neste grupo, que tinha sido eleito deputado estadual e logo após Prefeito de Curitiba.
Kruger, então já em seu terceiro mandato de prefeito em Guarapuava, acalentava o desejo de ser Governador do Estado. Com uma carreira política completa (vereador, prefeito, deputado estadual e federal) e com apoio de setores financeiro e agropecuário, era o nome perfeito para a sucessão do recém-eleito Alvaro Dias (este também acalentava o sonho de subir a rampa do Planalto em 1989). Porém, de maneira pragmática, Alvaro escolhe Requião para ser seu sucessor. Nomeia o correligionário para a poderosa Secretaria de Desenvolvimento Urbano, com caneta cheia para fazer obras de vulto nos dois últimos anos de governo.
Kruger, preterido nesta negociação, acaba se contentando com a presidência da Sanepar. Requião sai para Governador, com o apoio integral de Alvaro Dias (que deixa de sair para uma eleição certa ao Senado para evitar que o seu vice, Ary Queiroz, prejudicasse a campanha de seu protegido) e, graças a um certo “Ferreirinha”, vence o collorido Martinez em uma disputa renhida de segundo turno. Kruger, escanteado, acaba perdendo a eleição para deputado federal em seu próprio terreno e começa a encaminhar o crepúsculo de sua carreira política.
Em 1994 Requião acaba saindo candidato ao Senado, em parceria com o irmão de Alvaro Dias, o pecuarista Osmar Dias, que tinha feito o revolucionário programa Paraná Rural. Requião, buscando fazer justiça com a História, escolhe Kruger para ser seu primeiro suplente. Ambos, apesar das diferenças políticas e disputas de espaço, sempre nutriram respeito mútuo. Tanto que Requião acaba “presenteando” Krueger com um mês de Senado, o que permite ao companheiro de MDB velho de guerra encerrar de maneira digna a sua brilhante trajetória política.
Contamos toda esta história para ilustrar como que as sementes do Integralismo acabam fazendo com que Requião se torne o herdeiro do pensamento de Esquerda Nacionalista, um movimento minoritário, notadamente representado atualmente por este, Ciro Gomes e por Aldo Rebelo, representantes de um pensamento progressista que conjuga nacionalismo e municipalismo. Além disso, pregam a altivez das negociações nacionais, o pensamento estratégico de preservação das riquezas nacionais e pela retórica agressiva contra o capital estrangeiro.
Assim como o atual presidente Lula hoje representa o Neovarguismo, o Neointegralismo possui duas vertentes, dependendo da sua visão ideológica. A segunda vertente, pelos olhos da Esquerda Neovarguista, seria representada pelo Bolsonarismo (que, na sua vertente mais radical, guarda semelhanças com o movimento Anauê da década de 1930). Lembrar que Bolsonaro e Requião possuem algumas semelhanças na sua conduta política (ambos são nacionalistas, personalistas e defensores do pensamento estratégico), o que faz que um seja o “avesso” do outro, mas com práticas similares. A diferença de Bolsonaro foi aceitar um liberal da Escola de Chicago em suas hostes (Paulo Guedes), o que fez com o que o seu governo fosse o mais liberal desde o fim do Império.
O Neointegralismo vive, pois, graças ao Neovarguismo, ganha força para manter o radicalismo do discurso político, como ocorreu na década de 1930. Como naquela época, o Integralismo pode ser tanto um discurso a favor para arregimentação de bases (como Vargas utilizou Plínio Salgado para consolidar o seu regime e como Lula utilizou Requião para fortalecer sua posição no Paraná) quanto para criar um espantalho para sustentação do regime (como Lula utiliza Bolsonaro o tempo todo para criar cortinas de fumaça para evitar críticas mais ácidas ao seu governo).
Cabe à população e ao eleitorado esclarecido perceber o retorno destes movimentos extremistas e trazer de volta a bússola política para o centro da discussão. Trazer discursos radicais não permite que o diálogo político prospere e faz com que o País caia em um lamaçal de velhas ideologias que já deveriam estar nas brumas da História. Precisamos de capacidade de diálogo, visão cosmopolita e condições para que um projeto de Sociedade Aberta possa prosperar e trazer, finalmente, o progresso ecônomico, político e social que o País precisa. Se o Século XX foi o século do Totalitarismo, precisamos desesperadamente que o Século XXI seja o século da Liberdade.
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