Vivemos tempos curiosos no Paraná. Há pelo menos 4 anos (desde as eleições estaduais de 2018) vivemos uma “Pax Romana” em nosso Estado. A Pax Romana, para os incautos em História Antiga, foi um período de aproximadamente 200 anos da história romana que é identificado como”uma era de ouro de imperialismo romano crescente e sustentado, ordem, estabilidade próspera, poder hegemônico e expansão”, apesar de várias revoltas e guerras. No nosso caso, vivemos um período histórico similar, dominado politicamente pelo atual governador. Cabe aqui relembrarmos a trajetória do nosso atual César.
Ratinho Junior, ou Carlos Roberto Massa Junior, atual ocupante da cadeira de governador, é dono de uma carreira política cuidadosamente preparada para o estrelato. Mais especialmente, com a curadoria de seu pai, Ratinho, apresentador bem-sucesso da televisão brasileira, que soube aproveitar o momentum na década de 90, em que saiu de uma condição de obscuro repórter policial em Curitiba para um apresentador de sucesso de programa de auditório que chegava a balançar as estruturas da Vênus Platinada nos píncaros da sua glória. O estilo kitsch e caótico de seu programa, com apelo popular (haja vista o clássico quadro do Teste de DNA) e linguajar simples, caiu na graça do povão.
Ratinho pai, que já havia sido um deputado de baixo clero no começo da década de 90 (inclusive não se reelegeu), vislumbrou um futuro brilhante para o seu rebento. Juninho, seu primogênito, já o acompanhava na sonoplastia de seus programas de rádio enquanto adolescente, além de já apresentar dotes políticos. Foi natural que o pai pudesse projetar a possibilidade do filho entrar na política. Mas estabelece metas ousadas. Tendo em vista o vulto nacional que a sua figura tomou, Ratinho pai vislumbra a Presidência da República como meta para o seu herdeiro.
Muito jovem, com menos de 25 anos, Ratinho Junior já se converteu no Deputado Estadual mais votado da História do Paraná em 2002. Com a votação consagradora, no pequeno PSB (Partido Socialista Brasileiro), conseguiu levar um certo Dr. Luciano Ducci, um neófito político que havia sido secretário de saúde de Curitiba, na “rebarba” para a Assembleia Legislativa. Ratinho Junior faz um mandato sem brilho, porém forrado de votos. Além disso, começa vagarosamente a construir o seu projeto de “Mus Pacem”, com Ratinho pai fazendo compra de várias rádios no interior do Estado, bem como com a aquisição da TV Iguaçu junto ao ex-governador Paulo Pimentel. Era o embrião da Rede Massa, a segunda maior rede multimídia do Estado, que daria a sustentação necessária para Juninho alçar vôos mais altos.
Na Rede Massa, Ratinho Junior inicia o seu projeto estadual. Começa um programa de rádio matutino chamado “Microfone Aberto”, onde utiliza o mesmo estilo televisivo do pai, combinado com comentários políticos (na maioria neutros e alinhados com o poder de ocasião) e participação popular. O personagem Zé Coió é o símbolo desse período: uma figura ao mesmo tempo inocente, ingênua, mas com olhos para o futuro. Já antevendo um upgrade político, Juninho se converte no segundo mais votado Deputado Federal do Estado em 2006, já filiado ao PPS (Partido Popular Socialista). Na Câmara Federal segue a linha de discrição política, sem se envolver em embates e disputas ideológicas.
Em 2010 Juninho começa a ganhar musculatura para voos mais altos. Bate recorde de votação para Deputado Federal, sendo o mais votado do Estado, com mais de 360 mil votos. Muito desse resultado é resultado da penetração da Rede Massa na maioria dos lares humildes do Estado. Nesta mesma campanha, já estabelece as bases da sua Pax Romana: é o coordenador de campanha da Presidente Dilma Rousseff no Estado, bem como faz parte da bancada de apoio do governador eleito Beto Richa. Richa, inclusive, foi o seu “padrinho político” para os voos majoritários seguintes.
Em 2012 Ratinho Junior ousa partir para a sua primeira campanha majoritária. Cioso da fragilidade política do projeto do então atual prefeito Luciano Ducci, Ratinho Júnior lança a sua candidatura à prefeitura de Curitiba. Forte nas camadas mais populares, apresenta resiliência durante todo o processo eleitoral, ficando em primeiro lugar no primeiro turno, mas perdendo no segundo turno para Gustavo Fruet, que encarnava o espírito curitibano tradicional que o jovem de Jandaia do Sul não conseguia mimetizar. Porém, o belo desempenho eleitoral dá a Juninho a musculatura necessária para o vôo definitivo para o Palácio Iguaçu. Beto Richa, pragmaticamente, cria as condições necessárias para que Ratinho Júnior possa ser o seu sucessor político.
Em 2014 Juninho faz um downgrade político programado para a ALEP, já ambicionando o Palácio Iguaçu na próxima eleição majoritária. Aproveitando-se da fácil eleição de 2014, vencida por Richa, Ratinho Júnior elege-se deputado estadual com votação recorde e leva uma bancada particular para a ALEP no seu atual partido (PSC). No segundo mandato de Richa, recebeu a poderosa SEDU, secretaria com caneta e obras necessárias para que pudesse finalizar de vez o seu projeto estadual. Importa de sua Jandaia do Sul o seu consigliere João Carlos Ortega, que viria a conduzir todo o seu projeto político dali em diante. Ortega é nomeado seu diretor-geral e depois ocupa a SEDU quando Ratinho vai para a disputa majoritária de 2018.
Cioso de suas fragilidades dentro de disputas renhidas (em 2012 o preparo de Gustavo Fruet nos debates televisivos tirou o efeito do marketing bem-feito da Rede Massa), Ratinho Junior e sua entourage preparam em 2018 uma verdadeira blitzkrieg para “limpar o trecho” de adversários incômodos. Notadamente o adversário mais complicado naquele momento era o ex-senador Osmar Dias. Com um recall forte de votos das eleições de 2006 e 2010 (sendo que em 2006 perdeu por somente 10 mil votos de diferença), Osmar via a eleição de 2018 como a eleição de sua redenção, a que finalmente poderia atingir o objetivo de chegar ao Palácio Iguaçu. Porém confrontou-se com o mesmo projeto por parte de Ratinho Junior. Só podia restar um. Nestas negociações, Osmar Dias fica fragilizado e não consegue reunir os apoios suficientes para disputar a eleição majoritária.
Aproveitando-se do trânsito que construiu em seu downgrade para a ALEP, bem como da caneta cheia da SEDU, Juninho constrói uma base sólida para a sua eleição. Consegue inclusive eleger um “sparring” para a eleição, a vice-governadora Cida Borghetti, que sai protocolarmente à reeleição. Em uma eleição sem ameaças aparentes, Ratinho Junior é ungido Governador do Estado. Recebe, de brinde, a eleição de dois senadores apoiados indiretamente por sua chapa (Oriovisto Guimarães e Flávio Arns), aproveitando-se da desgraça que se abateu ao seu ex-padrinho político Beto Richa, abatido na Operação Piloto.
Depois de 16 anos, o projeto político estabelecido por Ratinho pai chega ao seu primeiro grande objetivo. Ratinho Junior torna-se governador do Estado, praticamente nomeado pelo estamento burocrático. Faz-se, assim, a “Mus Pacem”, ou a Paz do Rato, período político de acomodação política extrema, com eliminação praticamente completa da oposição política e com arranjos políticos que permitem a perpetuação do poder do atual estamento burocrático estadual. Reflexo desse período foi a eleição de 2020, em que a maioria dos prefeitos das grandes cidades se reelegem com o apoio maciço do Palácio Iguaçu, e desaguam em 2022, com a grande frente formada pelo atual Governador em seu apoio. A força da Mus Pacem é tamanha que nem candidatos neófitos e promissores como o ex-prefeito de Guarapuava César Silvestri Filho puderam ter musculatura suficiente para competir com o projeto imperial do atual governador. Em 2022 Ratinho Junior caminha para ser mais uma vez ungido governador do Estado, e talvez com a votação mais consagradora da História do Estado, dada a fragilidade extrema de seus adversários (o mais forte adversário do atual governador é o octogenário, anacrônico e analógico ex-governador Roberto Requião).
O futuro? Ratinho pai sabe muito bem onde quer seu filho: no Palácio do Planalto. Sabe que 2026 é logo ali, e que um governo cheio de realizações é absolutamente necessário para que Ratinho Júnior possa ter alcance nacional. É possível que uma escala no Senado seja necessária para que Juninho possa ter trânsito no Congresso Nacional para estabelecer o seu projeto nacional. Também não é descartado que saia a Vice-Presidente numa chapa presidencial em 2026. De qualquer forma, o Império da Massa irá extrapolar fronteiras nos anos vindouros. Ratinho Júnior sabe que o destino está ao seu lado. É jovem, construiu um legado político impressionante para quem tem tão pouca idade. O Palácio do Planalto é o último estágio do sonho de um pai que deseja que o seu filho comande os desígnios de uma nação. Mas há que se combinar com os eleitores. E, como diria Magalhães Pinto, “política é como uma nuvem: pode mudar a qualquer momento”. O segundo mandato no Palácio Iguaçu sempre é cheio de percalços. Jaime Lerner, Roberto Requião e Beto Richa que o digam. Cabe a Carlos Roberto Massa Junior lutar contra o destino e reescrever os desígnios dos segundos mandatos de governadores na Terra das Araucárias.
Excelentes ponderações e raciocínio político... como sempre, o amigo-autor, realiza uma espetacular "leitura" dos meandros políticos paranaenses, sendo franco, realista, até mesmo futurístico. Parabéns.