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A Primeira Votação: O Jogo de Espelhos no Conclave de 2025

  • Foto do escritor: René Santos Neto
    René Santos Neto
  • 29 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 2 de mai.


Não há nada mais antigo e, paradoxalmente, mais político do que um conclave. Um teatro de sombras em que cada cardeal traz não apenas sua batina, mas as feridas, esperanças e estratégias de um continente, de uma ala teológica, de uma geração da Igreja. A primeira votação, aquela que se dá no silêncio solene após a meditação inicial, não decide o futuro. Mas revela as forças que tentarão moldá-lo. E o conclave de 2025, que se abre com a morte recente do Papa Francisco, se anuncia como um dos mais complexos desde o pós-concílio.

Este editorial busca traçar, com a audácia que só a especulação fundamentada permite, o cenário provável da primeira votação do conclave. Como num jogo de xadrez, a abertura dirá muito sobre as jogadas que virão.


I. A composição do campo de batalha: cinco blocos e um centro instável


O colégio de cardeais com direito a voto conta com 135 eleitores. Desses, 110 foram criados por Francisco, o que implica — mas não garante — uma maioria favorável a seus princípios pastorais. Ainda assim, uma análise mais fina permite agrupar os cardeais em cinco blocos ideológicos-funcionais:

  • Progressistas (15): identificados com pautas como inclusão LGBTQIA+, ecologia integral, eclesiologia sinodal e crítica cultural ao Ocidente;

  • Pastoralistas Bergoglianos (53): majoritariamente moderados, ortodoxos em moral, mas sensíveis às urgências pastorais do mundo moderno;

  • Periféricos (39): originários do Sul Global, moralmente conservadores, politicamente pragmáticos e com forte identidade regional;

  • Conservadores Doutrinais (25): herdeiros espirituais de Bento XVI, céticos das reformas de Francisco;

  • Tradicionalistas (5): minoritários, mas ruidosos, buscam restaurar a liturgia tridentina e têm forte presença nas redes sociais católicas.

Os blocos reformistas (progressistas + pastoralistas) somam cerca de 68 eleitores. Já os blocos tradicionalistas (conservadores + tridentinos) chegam a 30. Os periféricos, portanto, tornam-se o “centrão” eclesiástico, o pêndulo que pode decidir o rumo da sucessão.


II. A natureza da primeira votação


A primeira votação raramente é decisiva. Serve a três propósitos:

  1. Testar forças: cada bloco tenta medir sua coesão;

  2. Lançar balões de ensaio: nomes são testados sem compromisso;

  3. Enviar mensagens: um voto pode ser um gesto de afirmação ou de veto implícito.

Historicamente, essa votação é o momento em que cardeais mais distantes do centro curial recebem votos simbólicos: africanos, asiáticos, bispos de regiões periféricas. Mas também é o instante em que os nomes “óbvios” se tornam alvos fáceis de bloqueio.


III. Os nomes que deverão aparecer


1. Cardeal Matteo Zuppi – O favorito dos bergoglianos

  • Arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana, Zuppi representa o “espírito de Francisco” com leveza pastoral e inteligência política.

  • Provavelmente receberá entre 20 e 30 votos na primeira rodada, vindos dos pastoralistas e parte dos periféricos latino-americanos.

2. Cardeal Pietro Parolin – O diplomata do consenso curial

  • Secretário de Estado, Parolin é visto como um homem de centro, moderado, institucional.

  • Poderá conquistar entre 15 e 20 votos, vindo de setores cansados da polarização interna da Igreja, inclusive parte dos conservadores moderados.

3. Cardeal Luis Antonio Tagle – O asiático global

  • Carismático, próximo de Francisco, mas com forte base teológica e humildade pastoral.

  • Pode reunir 10 a 15 votos, sobretudo da Ásia e África.

4. Cardeal Jean-Claude Hollerich – O candidato progressista de ruptura

  • Relator do Sínodo da Sinodalidade, é apoiado por uma minoria vocal, mas enfrenta resistência.

  • Deve aparecer com cerca de 10 votos, todos do núcleo progressista mais engajado.

5. Cardeal Robert Sarah – O conservador iconográfico

  • O “candidato do silêncio”, como o chamou o vaticanista Aldo Maria Valli. Tem apoio de parte dos conservadores e tradicionalistas, e poderá surpreender.

  • Deve surgir com 15 a 18 votos, numa demonstração de força e protesto.

6. Votos dispersos

  • Outros cardeais periféricos ou de prestígio regional — como Peter Turkson, Odilo Scherer e Wilton Gregory — podem receber votos simbólicos (2 a 5 cada) como sinal de respeito e sondagem futura.


IV. Leitura política dos resultados


Zuppi liderando: continuidade no horizonte

Se Zuppi sair na frente, com mais de 30 votos, será lido como um sinal claro de que o colégio deseja continuidade com nuances. Mas também poderá sofrer resistências do bloco conservador, que tentará estagná-lo no segundo ou terceiro escrutínio.

Sarah pontuando forte: o sinal de alarme

Se Sarah conseguir 18 votos ou mais, ultrapassando Parolin ou Tagle, seu nome se tornará um polo de resistência com força simbólica. Não significa viabilidade, mas envia um alerta: a ala conservadora está organizada e com moral elevada.

Tagle subindo: o fator "tertius"

Se Tagle surpreender e empatar com Zuppi ou Parolin, ele poderá se tornar o “tertius gaudens”, o nome de compromisso entre progressistas simpáticos a Francisco e periféricos que buscam um papa do Sul.


V. A lógica do veto silencioso


A primeira votação também servirá para detectar os “vetos silenciosos”. Um nome que surge forte demais — como Zuppi ou Parolin — pode ser vítima do “efeito Ratzinger 2005 ao contrário”: consolidar a oposição. Um candidato viável precisa ser não apenas admirado, mas tolerado por todos. E aí os votos intermediários ganham peso.


VI. A hipótese do impasse produtivo


Um impasse entre Zuppi, Parolin e Tagle, com Sarah crescendo de forma inesperada, pode gerar uma situação em que nenhum grupo consiga os dois terços necessários (90 votos). Nessa situação, o conclave entra na fase do realismo: começa-se a buscar um nome que una conservadores morais, pastoralistas pragmáticos e periféricos cautelosos.

Nomes como Turkson, Gregory, ou até alguém como o arcebispo de Boston, Sean O'Malley, poderiam emergir como candidatos de compromisso. Mas é possível — e não inédito — que o colégio busque um “papabile relutante”, um nome com autoridade espiritual e sem articulação política direta.

Sim, pode ser aí que o nome de Sarah, paradoxalmente, ganhe força: como um símbolo de unidade litúrgica e sacralidade, se os demais forem rejeitados por excesso de gestão.


VII. O que a fumaça preta revelará


Se a fumaça da primeira votação for preta — como quase sempre é —, ela não indicará apenas que não houve papa. Ela nos dirá quais espíritos estão em combate:

  • A continuidade ou a ruptura?

  • A sinodalidade fluida ou a identidade firme?

  • O Sul Global como símbolo ou como protagonista?


Considerações finais


A primeira votação será o espelho fragmentado da Igreja Católica em 2025: continente dividida, mas ainda coesa no essencial. E, como em todo conclave, o verdadeiro jogo começará quando os blocos perceberem que seus favoritos não passarão e que será necessário ceder para não perder tudo.

A fumaça negra do primeiro escrutínio não deve ser lida como falha, mas como fidelidade: a Igreja ainda leva a sério o discernimento. E é justamente essa seriedade que torna o conclave tão fascinante — e tão imprevisível.

No fim, o Espírito sopra onde quer. Mas o colégio de cardeais sopra primeiro — em papel dobrado, com nome escrito à mão.

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