A Fumaça da Guiné: O Conclave de 2025 e o Enigma Sarah
- René Santos Neto
- 23 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de mai.

A morte do Papa Francisco em 21 de abril de 2025 pôs fim a um pontificado que, mais do que qualquer outro no pós-guerra, desestabilizou as zonas de conforto da Igreja Católica. Amado por uns, contestado por outros, Jorge Mario Bergoglio levou o pontificado à encruzilhada da contemporaneidade. Agora, os cardeais reunidos em Roma enfrentam não apenas a sucessão de um homem, mas a escolha do espírito de um novo tempo. E, nesse teatro barroco de fumatas, sigilos e manobras, surge um nome que provoca arrepios nos salões da Cúria e fervor nas periferias: o cardeal Robert Sarah.
A Esfinge Africana
Poucos nomes geram tanta dissonância nos corredores vaticanos quanto o do cardeal guineense. Sarah é, simultaneamente, uma figura de reverência e receio. Prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino, foi nomeado por Bento XVI e, embora tenha servido a Francisco, tornou-se um dos seus críticos mais discretos — mas não menos contundentes. Em tempos de sinodalidade e fluidez, Sarah insiste no sagrado. Enquanto alguns buscam horizontes doutrinários mais “inclusivos”, ele oferece silêncio, liturgia, ascese. E, talvez por isso mesmo, tornou-se a alma de um catolicismo inquieto com as concessões do presente.
Mas poderia Sarah ser Papa?
Colégio de Cardeais: Geopolítica do Espírito
Comecemos pelos números. O conclave de 2025 conta com 135 cardeais eleitores. Destes, 110 foram nomeados por Francisco — o que, à primeira vista, indicaria uma maioria reformista confortável. Mas a matemática eclesial não é cartesiana: muitos desses cardeais, sobretudo os chamados “periféricos”, vindos do Sul Global, são moralmente conservadores e teologicamente tradicionais, embora pastoralmente flexíveis.
Uma tipologia recente circula entre vaticanistas, dividindo o Colégio em cinco blocos informais:
Progressistas (15) – favoráveis à teologia inclusiva e a uma maior abertura moral;
Pastoralistas Bergoglianos (53) – alinhados ao estilo de Francisco, mas ortodoxos;
Periféricos (39) – vindos da Ásia, África e América Latina, moralmente rígidos mas politicamente sensíveis;
Conservadores (25) – defensores da doutrina perene e da crítica às reformas;
Tradicionalistas (5) – restauracionistas litúrgicos, em geral hostis ao Concílio Vaticano II.
Sarah transita entre os dois últimos blocos, mas sua origem africana o aproxima também dos “periféricos”. Eis a chave: não é no apoio dos tradicionalistas que sua viabilidade se forja, mas na ponte possível entre conservadores e parte do Sul Global.
Entre o Trono e o Silêncio
Robert Sarah não faz campanha — e não é porque não queira. É porque não pode. A imagem que cultiva é a do “servo inútil” que se recusa a disputar cargos, mas que aceitaria o peso do papado como um mártir aceita a cruz. Ele escreve sobre a noite escura da fé, o silêncio de Deus e a civilização em colapso. Discursa como um anacoreta. Mas o anacoreta também pode ser eleito.
O paradoxo sarahiano é este: quanto menos ele se impõe, mais se torna símbolo. Em um conclave polarizado, sua figura pode emergir como um “grito de resgate” à identidade católica. Não por sua eloquência — que existe —, mas por sua coerência.
A hipótese Sarah
Vamos considerar o cenário possível para sua aclamação. Não se trata do primeiro escrutínio, nem do segundo. Mas de um conclave estagnado. Um impasse. Os progressistas insistem em Hollerich, os bergoglianos em Zuppi, os conservadores dividem-se entre Parolin e algum italiano de segunda linha.
O Sul Global, ignorado nos primeiros dias, começa a perceber seu peso. E então, como em 1978, o olhar se desloca para um nome “fora do eixo”. Um nome que “não divide tanto”. Um nome que não trai a doutrina, mas tampouco ameaça mudar o Catecismo com canetadas sociológicas. Um nome que pode “reconduzir Roma à sua gravidade espiritual”.
Esse nome pode ser Sarah.
O veto implícito
Mas há obstáculos. Muitos. O maior deles: a Cúria teme Sarah. Teme por sua rigidez litúrgica, por sua visão pouco diplomática da geopolítica vaticana, por seu entorno próximo ao tradicionalismo militante. E mais: Sarah desagrada tanto os que querem avançar quanto os que não querem voltar. Para alguns, ele é Bento XVI sem a fineza intelectual. Para outros, é um profeta inconveniente, mas necessário.
Seu outro obstáculo é cronológico. Sarah tem 79 anos e completará 80 em junho. Se eleito, será o papa com menor horizonte de pontificado desde João Paulo I. Isso pode ser visto como vantagem — um papado de transição — ou como limitação.
O fator simbólico
Por outro lado, imagine a cena: um africano na sacada de São Pedro, proclamado Papa. Não um progressista sociológico, mas um monge negro da Guiné, erguendo o báculo com olhos cerrados e rosto sereno.
A imagem teria impacto profundo. Para uma Igreja dilacerada entre o Ocidente secularizado e o fervor periférico, Sarah oferece um rosto de universalidade, mas sem concessões. Sua eleição não seria apenas religiosa. Seria civilizacional.
Não como Bento, não como Francisco
Se eleito, Sarah não será nem um “novo Bento XVI”, nem um “anti-Francisco”. Será algo diferente: um restaurador místico, um homem mais preocupado em salvar almas do que em salvar estruturas. Sua prioridade será a liturgia, não a governança. O dogma, não os conselhos sinodais.
E talvez seja exatamente isso que alguns cardeais desejam após doze anos de um pontificado em que a pastoral se sobrepôs à doutrina e a sinodalidade à hierarquia.
Considerações finais
O conclave de 2025 pode parecer previsível. Mas não é. A fumaça branca não emerge da estatística, e sim do Espírito — com pitadas de geopolítica, carisma e contexto. Sarah não lidera os rankings. Não tem base curial, nem bloco dominante. Mas tem uma coisa rara em Roma: autoridade espiritual sem marketing.
Se o colégio de cardeais quiser restaurar a sacralidade, reagrupar as colunas e redescobrir a Tradição como caminho de futuro, Sarah poderá ser aquele nome improvável que sela um pacto possível.
A pergunta já não é se Sarah pode ser Papa. A pergunta é: a Igreja está pronta para ser pastoreada por alguém que, ao invés de dialogar com o mundo, prefira falar com Deus?
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